Por Laís Modelli Show
Entre os mais de 20 milhões de peças e documentos que pertenciam ao Museu Nacional – o que representa o quinto maior acervo do mundo – e que foram queimados pelo incêndio na noite deste domingo 2 está o crânio da mulher mais antiga da América de que se tem conhecimento: um fóssil de mais de 11 mil anos conhecido como Luzia. O crânio foi encontrado na década de 1970 em Pedro Leopoldo, em Minas Gerais, por uma missão francesa liderada pela arqueóloga Annette Laming-Emperaire. Luzia apresentou uma datação relativa entre 11 mil e 11,5 mil anos, o que faz do crânio um dos mais antigos do Brasil e também de todo o continente americano. Luzia é uma das peças mais importantes da história natural da América porque representou uma revolução nos estudos sobre o povoamento do continente americano. “O crânio de Luzia mostrou que a morfologia craniana desses antigos habitantes da América, chamados paleoamericanos, é diferente da morfologia craniana dos indígenas atuais”, explica o biólogo da USP Pedro da Glória. Leia também: O fóssil da mulher de olhos grandes serviu de base para o bioantropólogo Walter Neves, da USP, propor, no final da década de 1980, que os primeiros habitantes do continente tinham a morfologia craniana diferente dos habitantes atuais da América. Foi Neves também quem apelidou carinhosamente o crânio da mulher mais antiga do Brasil de Luzia. “Neves identificou que o povo de Luzia, na região mineira da Lagoa Santa, tinha morfologia craniana similar aos africanos e aos povos da Oceania, enquanto que os habitantes atuais são mais próximos biologicamente dos habitantes da Ásia”, diz Glória. O biólogo explica que, depois dessa constatação da equipe de Neves, os crânios de Lagoa Santa viraram referência internacional para os modelos de ocupação do continente americano, sendo o crânio de Luzia um símbolo da ocupação antiga do território brasileiro. Além de Luzia, a grande preciosidade do acervo do Museu Nacional também está na coleção de ossos humanos de Lagoa Santa, que consiste em cerca de 166 indivíduos que datam principalmente de mais de 7.000 anos. “Esses ossos são cruciais para entendermos os rituais mortuários, o estilo de vida e a origem biológica dos primeiros brasileiros e dos primeiros americanos. É um patrimônio único e de valor internacional”, lamenta Glória. Léo RamosEle é o pai de Luzia, um crânio humano de 11 mil anos, o mais antigo até agora encontrado nas Américas, que pertenceu a um extinto povo de caçadores-coletores da região de Lagoa Santa, nos arredores de Belo Horizonte. O arqueólogo e antropólogo Walter Neves, coordenador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), não foi o responsável por ter resgatado esse antigo esqueleto de um sítio pré-histórico, mas foi graças a seus estudos que Luzia, assim batizada por ele, tornou-se o símbolo de sua polêmica teoria de povoamento das Américas: o modelo dos dois componentes biológicos.Formulada há mais de duas décadas, a teoria advoga que nosso continente foi colonizado por duas levas de Homo sapiens vindas da Ásia. A primeira onda migratória teria ocorrido há uns 14 mil anos e fora composta por indivíduos parecidos com Luzia, com morfologia não mongoloide, semelhante à dos atuais australianos e africanos, mas que não deixaram descendentes. A segunda leva teria entrado aqui há uns 12 mil anos e seus membros apresentavam o tipo físico característico dos asiáticos, dos quais os índios modernos derivam. Nesta entrevista, Neves, um cientista tão aguerrido como popular, que gosta de uma boa briga acadêmica, fala de Luzia e de sua carreira. Como surgiu seu interesse por ciência? Quando você veio para São Paulo? Como era sua vida? O que
fazia? Por que escolheu biologia? Você estava em que ano da
faculdade? Era um instituto independente? Eles não trabalhavam com evolução humana? Como assim? O que alegavam? Qual a diferença do antropólogo físico e do arqueólogo? Você se considera o que hoje? O arqueólogo faz o trabalho de campo e o antropólogo físico espera o material? Aqui? Ele é um grande pesquisador, mas da genética de populações. Que também é da genética. Isso em 1985? O que você fazia? E o que é antropologia ecológica? Vocês
publicaram um livro, não? Quais conclusões você destaca dessa síntese? Como você retornou para a USP? Você fazia pós-doc em antropologia na USP? Como teve a ideia de criar um modelo alternativo de colonização das Américas? O que vocês fizeram então? Você então
formulou esse modelo antes de examinar o crânio da Luzia. Já
tinha esse nome? No artigo ela falava que o crânio era
antigo? Onde estava o crânio da Luzia quando você o examinou? O povo de Luzia era restrito a Lagoa Santa? Dois ou 3 mil anos são o suficiente para mudar o fenótipo? De quem? Também tem o argumento de que teria havido uma só leva migratória para as Américas, já composta por uma população com tipos mongoloides e não mongoloides como Luzia. Mas como você explica o desaparecimento da morfologia de Luzia? O que você acha do trabalho da arqueóloga Niède Guidon no Parque Nacional Serra da Capivara? Para ela, o homem chegou ao Piauí há 50 mil, talvez 100 mil anos. O que seria preciso para
acabar com a dúvida? Republicar Qual o impacto da descoberta e do estudo do fóssil de Luzia para as teorias do povoamento do continente americano?Um estudo feito a partir de DNA fóssil, com amostras dos mais antigos esqueletos encontrados no continente, confirmou a existência de um único grupo populacional ancestral de todas as etnias da América.
Qual foi o impacto da descoberta do crânio de Luzia?A descoberta teve grande impacto na ciência por mudar a teoria de povoamento do continente americano. Os fragmentos encontrados ainda não podem ser atribuídos como sendo realmente Luzia, porém os pesquisadores consideram que as chances são bem altas.
Qual a importância da descoberta do crânio de Luzia para a humanidade?Luzia apresentou uma datação relativa entre 11 mil e 11,5 mil anos, o que faz do crânio um dos mais antigos do Brasil e também de todo o continente americano. Luzia é uma das peças mais importantes da história natural da América porque representou uma revolução nos estudos sobre o povoamento do continente americano.
Por que a descoberta de Luzia foi fundamental para entender o povoamento da América?"O crânio de Luzia mostrou que a morfologia craniana desses antigos habitantes da América, chamados paleoamericanos, é diferente da morfologia craniana dos indígenas atuais", explica o biólogo da USP Pedro da Glória.
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