INTRODUÇÃOA inversão do ônus da prova no Direito do Consumidor é um tema que parece ser simples, porém exige um estudo e compreensão do Código de Processo Civil e da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Show Existe uma certa concepção de que em toda demanda de consumo é possível requerer essa inversão, de modo que os (as) advogados (as), não raras vezes, redigem tópicos genéricos neste quesito.
Desse modo, os causídicos deixam de tutelar os interesses dos seus clientes de forma adequada e com excelência. O objetivo desse artigo é capacitá-lo acerca deste tema. Compreender quando e como aplicar o instituto da inversão do ônus da prova pode ser um diferencial na sua advocacia! ESPÉCIES DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVAExistem três espécies de inversão do ônus da prova: a) convencional; b) legal; c) judicial. A) INVERSÃO CONVENCIONAL: A inversão convencional decorre de um acordo de vontade entre as partes, que pode ocorrer antes ou durante o processo. No entanto, essa espécie de inversão apresenta duas limitações no art. 373, §3º, do CPC/15, havendo a previsão de nulidade quando essa inversão a) recair sobre direito indisponível da parte ou b) tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito (“prova diabólica”)[2].
Neste sentido, é importante destacar que o consumidor não pode impor a produção de uma prova diabólica ao fornecedor! Dessa forma, cabe ao causídico analisar se a inversão é cabível, outrossim, se a parte adversa tem condição de produzir provas do que foi alegado. Compreende-se, portanto, que “pedidos baseados em fatos absolutamente impossíveis de comprovação por qualquer das partes devem ser julgados improcedentes, e não imputados ao réu em razão de referida inversão probatória[3]”. Desse modo, entendem Flávio Tartuce e Daniel Assumpção Amorim Neves que: “uma cláusula contratual que atribua ao fornecedor o ônus probatório de uma prova diabólica também seja considerada nula, nos termos do art. 373 do CPC/15[4]”. Observem os entendimentos jurisprudenciais abaixo colacionados sobre o tema:
Ademais, é importante destacar que essa espécie de inversão apresenta distintos contornos no direito do consumidor, considerando-se que o art. 51, inciso IV, do CDC, prevê como nula de pleno direito a cláusula contratual que estabelecer a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor. Desse modo, parcela da doutrina compreende que: “o dispositivo do CDC ora analisado não proíbe a convenção sobre o ônus da prova, mas, sim, tacha de nula a convenção se trouxer prejuízo ao consumidor[8]”. O (a) advogado (a) do consumidor, portanto, pode requerer a inversão do ônus da prova, mesmo que o consumidor tenha, em tese, anuído com essa inversão, principalmente se o sujeito sofrer algum prejuízo em decorrência disto. B) INVERSÃO LEGAL (OPE LEGIS): A inversão ope legis é prevista expressamente em lei. Desse modo, configurando-se a hipótese legal, inverte-se o ônus da prova, não sendo necessária a ponderação do juiz sobre o preenchimento de requisitos legais no caso concreto. Assim sendo, “a inversão aqui prevista, ao contrário daquela fixada no art. 6º, inciso VIII, não está na esfera de discricionariedade do juiz. É obrigatória[9]”.
Nas hipóteses de fato do produto ou serviço, ou seja, de acidente de consumo, é ônus do fornecedor comprovar a existência de uma das causas excludentes de responsabilidade. No entanto, apesar de ser uma hipótese de inversão ope legis (basta se configurar a situação prevista em lei), o STJ tem exigido a hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança da sua alegação para justificar a inversão do ônus da prova, mesmo quando a pretensão consumerista é fundada em defeito do produto ou serviço (assim como a praxe forense)[10]. Por isso, sugiro a você, advogado (a) que lê esse artigo, que comprove um desses requisitos em sua petição, mesmo sendo uma hipótese ope legis.
C) INVERSÃO JUDICIAL (OPE JUDICIS): Na inversão judicial (ope judicis), caberá ao juiz analisar, no caso concreto, o preenchimento dos requisitos da hipossuficiência do consumidor ou da verossimilhança das suas alegações.
Os citados requisitos estão previstos no art. 6º, VIII, CDC.
– Verossimilhança da alegação: Alegações de fato do consumidor são aparentemente verdadeiras, tomando-se por base as máximas de experiência. – Hipossuficiência do consumidor: Refere-se à questão técnica (dificuldades de acesso às informações e meios necessários para a produção de prova) – Importante não confundir com a hipossuficiência financeira! Conforme o entendimento da doutrina majoritária, a hipossuficiência e a verossimilhança devem ser considerados requisitos alternativos, bastando a presença de um deles para que se legitime a inversão do ônus probatório[12]. No entanto, sugere-se aos causídicos que leem esse artigo, a comprovação de ambos os requisitos, se possível for! É importante ressaltar, também, que o (a) advogado (a) não pode requerer a análise da presença dos requisitos autorizadores da inversão do ônus da prova em sede de Recurso Especial, pois isso demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, o que é vedado pelo Enunciado n.º 7 de Súmula do STJ! MOMENTO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVANo caso da inversão convencional, entende-se que o momento de inversão deve sera partir do acordo entre as partes. Na hipótese de inversão legal, defende-se a inversão desde o início da demanda[13]. Quanto à inversão judicial, existem pelo menos três correntes: a) Julgamento do processo (parcela da doutrina + entendimentos do STJ): O momento adequado para inverter o ônus da prova seria o julgamento do processo. Segundo Sérgio Arenhart: “(…) a modificação do onus probandi realmente só pode dar-se por ocasião da prolação de decisões judiciais[14]”.
b) Saneamento do processo (antes do início da instrução probatória) (entendimento consagrado no STJ): Em consonância com esta corrente, a inversão deveria ocorrer antes do início da instrução probatória. Segundo Arruda Alvim,“cabe ao juiz, pois, no momento em que organizar a instrução probatória (o que, no procedimento ordinário, ocorre na audiência preliminar, prevista no art. 331 do CPC, quando o magistrado fixa os pontos controvertidos e determina as provas que serão produzidas), inverte-se, se for o caso, o ônus da prova[15]”. O Superior Tribunal de Justiça apresenta vários entendimentos neste sentido, destacando-se um in verbis:
Recomendo fortemente que se adote esta corrente! c) Sentença (parcela da doutrina): Outra parcela da doutrina, como Kazuo Watanabe defende que se inverta o ônus da prova no momento do julgamento final da ação[17]. No entanto, data máxima vênia, não creio ser um posicionamento razoável e, portanto, que deva ser adotado. CONCLUSÃOConhecer as hipóteses de inversão do ônus da prova e saber aplicá-las é fundamental para desenvolver uma advocacia de excelência. Espero que este artigo possa ser útil à sua vida profissional! Qualquer dúvida, me coloco à disposição para auxiliá-lo (a). [1] Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI188019,101048-Inversao+do+onus+da+prova+e+o+CDC. Acesso em: 13 nov. 2019. [2] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, v. 2. p. 247. [3] Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI188019,101048-Inversao+do+onus+da+prova+e+o+CDC. Acesso em: 12 nov. 2019. [4] TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Assumpção Amorim. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Editora Método, 2018. p. 720 [5] TJ-PE – AGV: 3653376 PE, Relator: Stênio José de Sousa Neiva Coêlho, Data de Julgamento: 24/02/2015, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 04/03/2015. [6] TJ-BA – APL: 05145142920138050001, Relator: Pilar Celia Tobio de Claro, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 21/04/2016. [7] TJ-RJ – APL: 00825546720128190001 RIO DE JANEIRO CAPITAL 51 VARA CIVEL, Relator: LUCIA MARIA MIGUEL DA SILVA LIMA, Data de Julgamento: 22/11/2012, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 30/11/2012. [8] NERY JR., Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, v. 1. p. 585. [9] VASCONCELLOS, Antonio Herman de. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011. vol. I. p. 371. [10] STJ – REsp: 1178105 SP 2010/0019198-8, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 07/04/2011, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/04/2011. [11] TJ-RS – Recurso Cível: 71000574103 RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Data de Julgamento: 14/09/2004, Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia. [12] TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Assumpção Amorim. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Editora Método, 2018. p. 725. [13] TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Assumpção Amorim. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Editora Método, 2018. p. 732. [14] ARENHART, Sérgio Cruz. Ônus da Prova e sua Modificação no Processo Civil Brasileiro. In: NEVES, Daniel Assumpção (Coord.). Aspectos atuais do direito probatório. São Paulo: Editora Método, 2009. P. 350-351. [15] CÂMARA, Alexandre Freitas. Tutela jurisdicional dos consumidores. In: FARIAS, Cristiano Chaves de; DIDIER JUNIOR, Fredie (Coords). Procedimentos especiais cíveis – legislação extravagante. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 1093. [16] STJ – REsp: 1511949 SP 2014/0193457-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 01/12/2017. [17] WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor – comentado pelos autores do anteprojeto. 10.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, v. 1. p. 12. Quando deve ocorrer a inversão do ônus da prova?A decisão judicial que determina a inversão do ônus da prova – prevista no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – deve ocorrer antes da etapa de instrução do processo; se proferida em momento posterior, deve garantir à parte a quem foi imposto esse ônus a oportunidade de apresentar suas provas.
Quando o juiz pode determinar a inversão natural do ônus da prova?Não há momento para o juiz fixar o ônus da prova ou sua inversão (CDC 6º VIII), porque não se trata de regra de procedimento. O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não desincumbiu.
Quais são os requisitos para a inversão do ônus da prova?Para que o juiz determine a inversão do ônus da prova, são necessárias (i) a verossimilhança das alegações ou (ii) a hipossuficiência do consumidor, considerando as regras ordinárias de experiência. O primeiro requisito requer a análise inicial das alegações trazidas ao juízo pelo consumidor.
Em que consiste a inversão do ônus da prova?A inversão do ônus da prova no CDC é caracterizada como uma facilitação da proteção dos direitos do consumidor. Assim, incumbe ao autor provar o fato constitutivo de seu direito e ao réu provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
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